O termo “open design” apareceu pela primeira vez em 1999, entendido como o design cujos criadores permitem sua livre distribuição e documentação, além de permitirem modificações e derivações – uma definição semelhante do modelo do software livre. Seus autores, da ONG Open Design Foundation, viram aí um caminho para promover um método alternativo para o design e o desenvolvimento de tecnologia, a partir da livre troca de informações sobre design.
O recente lançamento do livro “Open Design Now; Why Design Cannot Remain Exclusive” chamou a atenção para a importância do open design em uma audiência mais ampla de profissionais, estudantes, críticos e entusiastas. O pesquisador italiano Massimo Menichinelli, fundador do projeto OpenP2Pdesign.org, escreveu uma série de artigos intitulados “Why is Open Design Going Mainstream Now” que mostram como é sintomático o surgimento de plataformas de projetos, como OpenIDEO e o FrogMob, que permitem que pessoas participem diretamente nos projetos de design destas empresas, de concursos como (Un)limited Design Contest e de iniciativas de colaboração e compartilhamento de conhecimento, como Droog e Design for Download. Junto a esta movimentação, temos novas ferramentas com impressoras 3D, placas Arduíno (hardware livre) e as novas possibilidades geradas a partir do acesso à informação.
Atualmente, propostas em torno das iniciativas de Open Design aparecem pelo mundo todo. No Brasil, temos o Design Livre, iniciativa experimentada em espaços como Instituto Faber-Ludens, Corais.org e LetEvo. Tendo certeza que tanto o Design Livre agregam na discussão sobre Design e Open Design, este livro que você está lendo sinaliza uma exposição de ideias e que vem sido estudadas e aplicadas nos últimos anos.
(IN)DEFINIÇÃO DE DESIGN LIVRE
Definir tem suas vantagens. E seus problemas. Se definir é parar um conceito no tempo, impedindo sua transformação, então a definição de Design Livre só poderá ser uma anti-definição. Do contrário, podemos dizer que:
Design Livre é um processo colaborativo orientado à inovação aberta.
Claro que essa definição é puro pleonasmo. Todo processo de design é “colaborativo”. Não existe produção “individual”, desligada da sociedade. O Design Livre é aberto, como todo design. Não há maneira de ocultar o design em sua totalidade, de outra maneira, ele não seria consumido, acessado, tocado, usado. O que pode ser “escondido” é justamente a maneira de fazê-lo.
Na definição acima, o principal argumento de definição do Design Livre está na palavra processo, na preocupação com o projeto durante o projeto, e não apenas um pressuposto do produto. O foco não é apenas que o produto do processo de design seja disponibilizado para colaborativo: a colaboração deve estar no processo.
A IMPORTÂNCIA DO SOFTWARE LIVRE
Quando se fala em Software Livre, logo vem à cabeça o projeto Linux, um sistema operacional que pode ser instalado gratuitamente no seu computador. Mas Software Livre não é só uma ferramenta, nem tampouco refere-se apenas a programas gratuitos. Software Livre é um modo de produzir software que pode gerar ou não ferramentas gratuitas. Ser “grátis” não é seu principal objetivo. As liberdades do Software Livre são:
- A liberdade de executar o programa, para qualquer propósito (liberdade nº0)
- A liberdade de estudar como o programa funciona e adaptá-lo para as suas necessidades (liberdade nº1)
- A liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao seu próximo (liberdade nº2).
- A liberdade de aperfeiçoar o programa, e liberar os seus aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie deles (liberdade nº3).
O Software Livre inaugurou uma nova forma de produção. Entretanto, seus produtos geralmente são elaborados com maior foco em conseguir desenvolver suas funções do que no real uso que será feito delas. De certa maneira, o ideal expresso é que o usuário destes produtos também seja um programador, ou então que venha a se tornar um.Para quem não faz parte desta comunidade, só é possível participar dela sabendo ou aprendendo a escrever códigos. Para quem já faz parte, é criada uma barreira que impede que outros conhecimentos sejam aproveitados, resultando na perda de contribuições de pessoas que simplesmente não conseguem se aproximar.
Neste sentido, o Design Livre busca caminhos para aproximar a comunidade de design da comunidade de desenvolvedores de Software Livre, entendendo que os desafios para que isto aconteça não se resumem a questões puramente “técnicas”. O acesso de diferentes comunidades ao Software Livre é benéfica em diversas formas, um exemplo foi da aproximação entre Direito e Tecnologia da Informação. O conhecimento profundo sobre códigos e programação daqueles resultou no encontro de brechas legais que ajudaram a garantir a efetiva liberdade do Software Livre.
Não é uma questão de “colocar design” no Software Livre. Existe design em todos os projetos de Software Livre. O que nem sempre há é o exercício de pensamento projetual com métodos e finalidades objetivas. Também não é uma questão de apenas existirem designers em projetos Software Livre, e esperar que dali resultem softwares livres mais fáceis de usar. Softwares livres usáveis podem simplesmente desencorajar pessoas a querer ir a fundo no software, e melhorá-los, e aceitando-os como estão, sem trabalhar sua capacidade de transformá-los. É preciso disseminar uma cultura de design consciente.
Não há software natural, intuitivo. Tratando especialmente de softwares proprietários, como os que são comumente utilizados por designers, basta ver o primeiro contato de um iniciante para ver que não são nada fáceis de aprender. A prática “flanelinhas de mouse” reflete esta problemática: dominar estas ferramentas exige prática e conhecimento. Não é o software que se adequa a partir do conhecimento do seu usuário, mas o contrário, forçando tantos a desistirem desta empreitadas. É preciso (re)construir suas próprias ferramentas para que, assim, sejam realmente suas.
No design, especialmente em domínios da comunicação e da interatividade, é senso comum reconhecer a importância dos “não-designers”, geralmente caracterizado na figura de “usuário”. Incluir estes no processo de desenvolvimento é fundamental. Diferentes metodologias de design atuam com graus de aproximações diferentes com o usuário. Este, que é considerado um não-designer, um não-desenvolvedor, é, enfim, a razão de se desenvolver, de se projetar. Desta mesma forma, Design Livre assume a importância de se incluir também neste processo de participação do software o usuário leigo, que não programa, entendendo que o Software Livre não se restringe a software.
No Software Livre, a colaboração gira em torno do código-fonte de programação, especificado numa linguagem objetiva compartilhada e aceita por todos os colaboradores. Quando passamos ao Design Livre, a questão colaboração é mais complicada, pois não existe uma linguagem capaz de dar conta da multiplicidade de significados num sistema limitado.
O design livre, antes de ser Design Livre, era entendido como design com software livre. O termo era utilizado para designar eventos, concursos e desafios que incentivavam e disseminavam a prática do design utilizando software livre. Com o Design Livre buscamos mostrar como o design não se torna livre só por usar ferramentas livres, mas precisa de ferramentas livres para garantir sua liberdade. Se assim não for feito, como espera-se que as pessoas terão acesso as fontes se ela não possuírem as licenças dos programas proprietários? Esse é o “softwarecentrismo”: tendência de alguns indivíduos em menosprezar a diversidade de ferramentas disponíveis, acreditando que todas as outras pessoas possuem, usam (ou deveriam usar) o mesmo software que ela.
Na questão textual é fácil ser resolvida pois a única barreira de um texto é a linguagem, que pode ser quebrada com o uso de tradutores. No movimento do Open Design essa preocupação é menor, pois o que interessa são os arquivos finais desenvolvidos, em um modelo similar ao do Software Livre.
A utilização de software livre ainda causa polêmica entre designers. Alguns acham impossível, uma utopia. Outros consideram anti-profissional, uma perda de tempo. Contrariando esta perspectiva, vários pioneiros buscaram atrair interesse e disseminar conhecimento sobre a prática de design com Software Livre, mostrando como uma pessoa pode utiliza-los para fazer trabalhos de qualidade, superando inclusive aqueles que utilizam ferramentas proprietárias.
QUAL É O CÓDIGO DO DESIGN?
O código é um filtro pelo qual as expressões dos participantes do processo adquirem existência própria, tornando-os compartilháveis. A expressão em linguagem natural do sujeito é codificada numa linguagem delimitada que facilita seu armazenamento. Quando o participante recebe uma expressão de um outro participante, ele pode abri-la e continuar o trabalho, mas precisa usar o mesmo código para compreendê-la.
Na prática de design são usados diversos códigos: escrita técnica, grids visuais, cromias, templates e outros. O problema é que nem sempre os códigos são capazes de expressar tudo o que é necessário para haver comunicação completa. Os códigos do design encontram-se nesse momento em fase ainda muito embrionária, carecendo de sistematização e ferramentas apropriadas para trabalhar com eles.
Uma das propostas do Design Livre é desenvolver o código do design além do processo tradicional onde os códigos servem basicamente para gerar a documentação e anotações das decisões finais do projeto. Aqui o código torna-se um ponto chave, funcionando como uma espécie de rastro do processo e permitindo que ele seja refeito, redesenhado, reescrito. Os códigos não devem permanecer alheios ao processo, pois, quando fazemos design, estamos materializando idéias o tempo inteiro. Esta é uma necessidade de comunicação: do designer com outro designer, com quem desenvolve e produz, com quem necessita do design. Os códigos devem possibilitar o mínimo para habilitar a colaboração. Não há a necessidade de fazer uma máquina compreender design. Enquanto as pessoas estiverem participando do processo, podemos contar com a capacidade de ler entrelinhas.
Trecho do livro Design Livre. Você pode fazer o download do Livro em diferentes formatos a partir do site: http://designlivre.org/download/